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Luke, I'm your father

  • Foto do escritor: solovera
    solovera
  • 8 de mai.
  • 4 min de leitura

Eu tinha 9 anos quando fui ver O retorno do Jedi (1983) no cinema. Naquele momento, os efeitos especiais e a ambientação do filme eram algo que me fascinava. Mais que tudo. Até mesmo porque num sala cheia de crianças gritando, reagindo com as cenas do filme, uns dando spoilers com orgulho de estar assistindo pela milésima vez, outros enchendo a cara de doces, é um tanto difícil se concentrar na história.


Mas chega a cena que me causou uma confusão e que, mesmo tentando prestar toda a atenção possível, me deixou pensativo e cheio de dúvidas. Luke enfrentava Darth Vader numa luta mortal. Eu com a minha ingenuidade e por ver o quanto a Resistência tinha sofrido até aquele momento, minha reação era “mata esse cara logo, pelo amor de Deus!”, “e daí se ele é seu pai? ele é um escroto”. Não entendia o porquê do imperador fazer tanta questão que isso realmente acontecesse e porque Luke seria levado para o lado negro da força se ele se vingasse ou fizesse exatamente o que todos queriam: matar o inimigo.


Então, preciso confessar: essa dúvida permaneceu comigo por muito tempo. Até há pouco, na verdade. Por que Luke não poderia matar Darth? Por ser seu pai? O buraco era, certamente, muito mais embaixo. Mas preciso colocar algumas observações à respeito do que estava acontecendo naquele momento fora do cinema. Para quem não sabe, eu sou chileno e vivi no Chile até os meus 10 anos. Em 1983, o regime militar e repressivo era bem forte e não dava muitos sinais de que terminaria. A ditadura levou meu pai, parentes e muitas pessoas queridas. Os que ficaram nunca puderam esquecer. Eu, apesar de ter somente 9 anos, tinha uma consciência política, aliás, naquele momento, todas as crianças não ficavam muito alheias ao que acontecia. Na minha sala, lembro muito bem, conversávamos sobre o momento do país e do mundo frequentemente (que ainda vivia sob a guerra fria), mesmo com a nossa visão romântica e ingênua sobre tudo. Éramos nós contra o Império. Daí talvez a minha visão determinista de resolver o problema com a mesma força que impelia a todos nós naquele momento.



Passaram os anos, vim morar no Brasil. Passaram-se mais anos e aquela dúvida perante essa cena continuou. Mas, dessa vez resolvi pensar mais a fundo e uma coisa era clara: o ódio que Luke sente pelo império o aproxima do lado negro da força. Mas seria a mesma raiva? É então que a primeira pista, a mais despercebida e óbvia, me chacoalha: o fato de Darth ser seu pai presume que a história deles coincide nas suas raízes. A ideia da igualdade perante eles é a própria humanidade, o fato de serem mortais lidando com as suas emoções, com os seus fardos e a dificuldade de lidar com a força. O que seria ela, então? Simplesmente uma força com lados opostos que lidam com um mesmo objetivo por meios diferentes? A história mostra que não.


Seria muito simples resumir o ódio de Luke em apenas o desejo de matar e uma superficial justiça (já que a morte de Darth Vader não significa a aniquilação do mal), no entanto, é nisso que imperador se concentra. Imagine alguém que cresceu numa bolha, com uma fantasia e idealização de um padrão de vida que foi perpetuado por séculos, durante todas as gerações que se possa lembrar. Provavelmente, até mesmo a promessa de ser um Jedi, o melhor de todos, o que salva o universo numa batalha triunfal. Uma idealização do objetivo como a ideia de que há um final feliz. Então pegue esse mesmo personagem e coloque-o num ponto onde essa fantasia se quebra e ele precisa lidar com a ideia de que nada humanamente possível é capaz de lhe proteger do fracasso. Bom, é uma fantasia. Sempre foi. Mas a frustração não. É quando entra o poder do imperador: numa estratégia voraz, ele tenta converter toda essa quebra de valores em algo que é também uma outra fantasia, com a promessa de que ela não mais se quebrará e utiliza a raiva como emoção promovedora desse comprometimento, o que diz muito mais do que uma simples explosão emocional: ela transforma Luke naquilo que ele sempre lutou contra. Ai nos vemos perante a difícil jornada humana, afinal, por mais anos e galáxias que nos separem da história de Star Wars, ela nos fala sobre os sentimentos, sobre a construção do nosso ego e o comprometimento que criamos ao nos darmos conta do papel que temos na construção da sociedade, seja ela qual for. A ideia, inclusive aqui é de que a própria humanidade de Luke está em cheque por ela não ter sido capaz de lhe entregar a história prometida na resolução de sua jornada (o que traz a questão da visão infantil e superficial do personagem com relação à sua própria caminhada). Por isso, se concentram todos os esforços do imperador em fazê-lo se revoltar contra a própria vida, simbolizada em Darth Vader, que, por si só, não é mais humano (a ilusão). E, numa última virada, quando o poder prometido pelo lado negro está para dissuadi-lo, Luke entende que assumir o papel do pai lhe trará o mesmo destino.


Força, Luke. Revolucionar, nunca foi fácil.

 
 
 

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